terça-feira, 5 de julho de 2011

Comentários sobre o Artigo 2º, caput, da Lei 6.830 de 22 de setembro de 1980

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Art. 2º - Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.

Indiscutível que a dívida tributária depende da exigência tributária, propriamente dita, sob a ótica da legislação maior, a Constituição Federal. Sem que exista o tributo ou a contribuição social não existirá obrigação tributária ou dívida ativa.


Afirme-se, então, que a Lei Ordinária Federal 4.320 de 17 de março de 1964 perdura até a atualidade, mas, apenas no texto da lei das execuções fiscais, nada obstante ter sido superada dois anos após pela Lei Ordinária Federal 5.172, de 25 de outubro de 1966, Artigo 201, que teve por fundamento a Emenda Constitucional nº 18, de 1º de dezembro de 1965:


Art. 201. Constitui dívida ativa tributária a proveniente de crédito dessa natureza, regularmente inscrita na repartição administrativa competente, depois de esgotado o prazo fixado, para pagamento, pela lei ou por decisão final proferida em processo regular.


Parágrafo único. A fluência de juros de mora não exclui, para os efeitos deste artigo, a liquidez do crédito.


Coincidência ou não, a Lei Ordinária Federal 4.320 decorre do projeto de lei nº 201 de 04 de maio de 1950 do deputado federal Berto Conde.



Neste post não entrarei em mérito da não-recepção da Lei Ordinária Federal 5.172 de 1966 pela Constituição Federal de 05 de outubro de 1988, pois, o objetivo é apenas a análise da lei das execuções fiscais.



Porém, apesar de ser de 22 de setembro de 1980, a lei das execuções não observou ao que todos titulam por ¨Código Tributário Nacional¨, lei puramente ordinária, mas já em vigor na época, e que alguns defendem ser de escalão hierarquicamente superior à Lei Ordinária Federal 6.830 de 22 de setembro de 1980, afirmação de que discordo.

 
Reportar-me-ei aos Artigos 146, inciso III, 149 e 195, todos da Constituição Federal, para afirmar que a Lei Ordinária Federal 4.320 de 17 de março de 1964, por ser uma lei ordinária, não complementar, não tem o condão de definir obrigações tributárias ou não tributárias e sustentar execuções fiscais que se baseiam em seu Artigo 2º ou na própria Lei 6.830.

Note que dívida ativa ¨não tributária¨ não é sinônimo de contribuição social ou contribuição previdenciária, pois, tributo é somente o imposto, a taxa e a contribuição de melhoria segundo a definição contida no Artigo 5º, do ¨Código Tributário Nacional¨, apesar do que impõe o Artigo 146. 

Lembre-se que o Supremo Tribunal Federal, recentemente, através da Súmula Vinculante nº 08, trocando alhos por bugalhos ao aplicar a Lei Ordinária Federal 5.172 de 25 de outubro de 1966, reconheceu a inconstitucionalidade da legislação previdenciária exatamente por ser lei ordinária, a de nº 8.212 de 1991.

Com o devido respeito, por não existir lei complementar tratando sobre o assunto, não tendo lei complementar em que se apoiar, a Corte Maior julgou a matéria por analogia, aplicando a jurisprudência, a doutrina e o que titulam por ¨Código Tributário Nacional¨, considerando-se o princípio da igualdade.



Conseqüência, para afirmar que o dispositivo não prevalece mais em nosso ordenamento jurídico, somente em virtude do que estabelecem os Artigos 146, inciso III, 149 e 195, todos da Carta Magna, o disposto no caput do Artigo 2º da Lei Ordinária Federal 6.830 de 22 de setembro de 1980 não está recepcionado pela legislação constitucional.


A Constituição.


Art. 146. Cabe à lei complementar:

(...)

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;

(...)

Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.
(...)

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:


I - dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro;
II - dos trabalhadores;

Poderá parecer estranho aos ouvidos, mas, da leitura do Artigo 2º, caput, da Lei 6.830 de 22 de setembro de 1980, o Estado não poderá cobrar as contribuições sociais que foram impostas através dos Artigos 149 e 195, da atual Carta Constitucional, pelo simples fato de que estas não existiam quando da aprovação da Lei Ordinária Federal 4.320 de 17 de março de 1964.


Como exemplo, a contribuição social COFINS que nasceu através da Lei Complementar nº 70 de 1991 e que se fundamenta na atual Constituição Federal, Artigo 195, inciso I, não está enumerada na lei federal de 1964.


Assim, por se apoiar em uma lei ordinária, a de nº 4.320 de 17 de março de 1964, é que podemos afirmar que o caput do Artigo 2º da Lei Ordinária Federal 6.830 de 22 de setembro de 1980, não respeita a Constituição Federal em vigor.



Conseqüência, por colidir com os Artigos 146, inciso III, 149 e 195, da atual Carta Maior, o previsto no dispositivo não prevalece mais no ordenamento jurídico brasileiro.



Sobre o assunto, imprescindível sempre ler a Súmula Vinculante nº 08 do Supremo Tribunal Federal, em que a Corte Maior reconheceu a inconstitucionalidade da legislação previdenciária (Artigo 5o, inciso II, CF).

"São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do Decreto-lei 1569/77 e os artigos 45 e 46 da Lei 8.212/91, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário".